Helane Carine Aragão
Depois que comecei a morar sozinha, um sentimento de proteção aguçou em minha pessoa.
A minha primeira preocupação veio junto com a minha primeira ida ao supermercado. Estava feliz da vida em abastecer pela primeira vez a minha própria geladeira. Dentre os produtos que eu mais gosto: Ovos. Adoro ovos. De preferência os brancos, grandes, com a gema enorme e amarela.
A minha primeira preocupação veio junto com a minha primeira ida ao supermercado. Estava feliz da vida em abastecer pela primeira vez a minha própria geladeira. Dentre os produtos que eu mais gosto: Ovos. Adoro ovos. De preferência os brancos, grandes, com a gema enorme e amarela.
Geralmente é o último artigo a ser embalado, por ser frágil. Carente de cuidado especial. Uma vez quebrada a casca, esta se torna exímia de toda a sua funcionalidade de casca: Proteção. Mas por ser frágil, sinto-me com a responsabilidade de oferecer proteção extra.
Saí do supermercado, esperei o sinal ficar vermelho para os carros e atravessei. Dentre os vários pacotes, lá estava ele, imponente, em cima dos tomates, tão frágeis quanto.
Dei a mão para que o ônibus que passava parasse e nos levasse, em tese, em segurança, para casa. Afinal, era apenas uma hora da tarde de um sábado ensolarado. Coloquei todos os outros sacos no chão, menos o dele. O dos ovos. Sentado em meu colo e envolto em meus braços protetores, fui atenta, até chegar à nossa casa. Em meio aos transeuntes, que passavam por nós, apressados, eu olhava para todos com olhar desconfiado.
Qualquer um podia ser um criminoso e auferir tiros e promover um assalto a qualquer momento. Pesquisas mostram todos os dias que os níveis de violência e criminalidade em Salvador, a mesma “Terra festeira” cantada por Daniela Mercury, se torna mais violenta.
Dados estarrecedores mostraram que em um fim de semana apenas, do mês de fevereiro deste ano, a Secretaria de Segurança Pública registrou mais de 20 assassinatos. Imagine o que não fariam com minha uma dúzia e meia de ovos frescos. Se houvesse um homofóbico naquele ônibus, eu podia dar adeus às minhas omeletes.
Já perto do ponto de parada, que finalizaria a nossa “via cruces”, avistei policiais numa lanchonete. Ambos proferiam dentadas em suculentas salsichas em pães de cachorro-quente, enquanto às suas costas, o motorista ignorava o pedido de parada de uma velhinha e avançava o sinal vermelho. Pensei que, de repente, os policias defeririam tiros contra o crime do motorista e nos colocaria em risco de vida. Agarrei-me aos ovos e pedi a parada, com medo de cair com a freada brusca.
A minha rua estava deserta. Andei rápido, em meio a topadas, e cheguei à entrada do prédio em que moro. Com as mãos trêmulas, abri rapidamente a tranca, entrei, bati o portão, abri a segunda porta, entre o portão de acesso e o playground. Entrei rápido e corri para a penúltima porta, a que dá acesso às escadas. Subi as escadas. Em frente à porta de entrada do meu apartamento, respirei um pouco aliviada. Abri e entrei rápido. A primeira coisa que fiz foi deitar os meus ovos queridos na geladeira, e fui fazer o que tinha a fazer. Afazeres domésticos...
À noite iria sair com uma amiga. Cinco minutos antes de chegar, ela liga e me fornece a localização exata de onde está no percurso. Abro a porta do apartamento e, ao sair, tranco-a duas vezes. Desço as escadas e abro a porta de acesso ao playground seguido de mais duas rodadas na chave. Dirijo-me à porta que dá acesso ao portão e mantenho-a fechada. Minha amiga liga novamente. Está a dez metros do portão. Abro a porta e dirijo-me ao portão. Ela encosta o carro bem em frente. Em uma ação, muito bem sistematizada, destranco o portão e ao sair bato-o com força. Ela abre a porta do carro e ao passo que me atiro no interior do Celta da minha amiga, ela arranca. Quase um seqüestro relâmpago.
A primeira fase da operação “Sair para se divertir um sábado à noite em Salvador” foi concluída com sucesso. Como será a operação “Estar na rua” e “Volta para casa”, não sei dizer como vai ser, apesar de estar tudo planejado, desde o estacionar do carro até o pagamento do guardador nas vias públicas.
Ao menos meus ovos estão salvos na geladeira...
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