domingo, 9 de setembro de 2007

Mesas de Bar

Por Helane Carine Aragão


Nasci na época errada. Queria ser Bohemio. Por mais que eu tente, os dias já não permitem varar as noites em botequins A violência nos assombra cada vez mais. Isso tudo se agrava por então, ainda ter que usar saia.Um dos meus programas preferidos é visitarCira em Itapoan.

Cira é uma baiana de acarajé. A bem da verdade que não consigo enxergá-la apenas baiana de acarajé. Para mim, ela é uma mulher de sucesso. Micro-empresária, que já possui até filias dos quitutes espalhados pela cidade inteira.Mas gosto da sua raiz. Itapoan. A mesma Itapoan cantada em versos por Vinícios. Com a simplicidade e a desorganização urbana, gerada pela vila de pescadores, que ali se instalava em tempos.

É raro comer o acarajé. O objetivo é sentar ao outro lado da rua. No meio da pracinha, onde encontram-se dois quiosques vendendo bebidas. Meu pai é o grande culpado. Foi ele quem acostumou-me às coisas simples. Itapoan tem um cheiro especial. Há quem diga que cheira a peixe podre e que as ruas estão sempre sujas. Motorista por aqui é “dono da rua” mesmo, sempre tem alguém conhecido andando sobre a calçada, e você corre o risco de levar uma cagadinha de pombo na testa.

Meu pai até hoje costuma beber uma cerveja gelada em pé no balcão do quisoque do Carlinhos - filho de Cira. O movimento é de segunda a segunda-feira. Não se encontra dessas coisas pela Bahia inteira, apesar de ser coisa de baiano. Itapoan tem sua magia. Depois de apresentada àquele, que hoje é o meu lugar preferido, passei a levar quem eu gosto. Primeiro Maisa, depois Natalia. Ainda sim costumo ir uma vez por semana com meu pai. O ritual é simples, porém sagrado. Ele compra um acarajé para ele. Apenas pimenta e camarão. Que camarão! Eu me abasteço com o amendoim cozido do Neguinho do amendoim e claro, tudo regado a cerveja.

Depois que Maisa se mudou para São Paulo e Natália para Boston, minha amizade com Tatiana se intensificou, e apresentei a ela, nosso reduto. Por vezes, conseguimos reunir grande parte do grupo. E outros grupos. Tenho bandos diferentes. Mas o objetivo é sempre o mesmo. Reencontro. É minha terapia. Os problemas são desabafados com pessoas que prezo. Trocamos experiências, risadas, lágrimas e lamentações. Em mesa de bar acontece de tudo. É melhor do que divã de psicólogo. Terapia médica não nos permite tomar cerveja, enquanto ficamos lá, falando, falando e falando. Do meu jeito, não existe impessoalidade. O único serviço pelo qual você paga é do garçom que te atende. Merecidos 10%.

Em mesa de bar todo mundo fala ao mesmo tempo. Você escuta, você aconselha. Às vezes ficamos só ali, sem falar nada, vendo o movimento, limpando a mente. Eventualmente meus parentes aparecem. Meu padrinho, meus primos, minha tia. Quer me encontrar, vá até Itapoan.
Você pode falar de futebol ou de política. Fala de relacionamento, de saudade e de amizade. Fala de música, de poesia. Fala de receita de moqueca de peixe e ainda sobra espaço para fazer caridade. Lavo minha alma e sossego o espírito.

Recomendo mesa de bar como terapia para os problemas do cotidiano. O terapeuta pode ser um, ou vários. Dá até para se fazer dinâmica de grupo. Importante é o lazer e a cerveja, claro. Precisa de cuidado para não virar dependência. Mas Itapoan é meu vício. Vício de coisas simples. De gente simples, que te faz parar o turbilhão avassalador da rotina, para reparar coisas que você vê todos os dias e não enxerga. Itapoan mistura tudo. Pretos e brancos, baianos e turistas, gente pobre, gente rica. Homens e mulheres. Mistura o por do sol, com o cheiro de maresia. O barulho dos carros, com a gargalhada da mesa vizinha. Tudo junto, em mesas de bar.

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