domingo, 25 de outubro de 2009

Tempos modernos

Helane Carine Aragão

A cidade morreu! Se fosse há uns 10 anos atrás, quando eu tinha força para abrir a boca orgulhosamente e declarar que nunca trocaria o céu azul da minha cidade por outra, eu não me reconheceria. O sabor de outras comidas nunca será comparável ao gosto do dendê apimentado de um povo de raízes tão arraigadas. O calor humano do baiano é inato, tomado de simpatia e espontaneidade. Ou pelo menos era. O paraíso não existe mais. Li um antropólogo dia desses – Roberto Albergaria (UFBA) – que tentava explicar o sepultamento da natureza de um povo que hoje reside apenas nas lembranças dos mais velhos.


As mudanças permitidas por esse tal de tempos modernos. Ainda me lembro dos dias em que se podia brincar no barro batido, entre crianças que trepavam em árvores e se divertiam com jogos também esquecidos, no meio da rua onde carros não ultrapassam os 20km/h. A minha irmã de 15 anos não tem e mínima idéia sobre o que eu falo. Nasceu em um condomínio fechado, sob o comando de uma guarita informatizada. E nunca entenderá nada sobre a minha nostalgia. Ela é da geração ipod, blackberry e netbook. Entende perfeitamente sobre os circuitos de rastreamento via-satélite quando carros são roubados.

Não culpo a minha irmã caçula, nem os meus pais pelo excesso de cuidado e proteção. A atitude deriva dos noticiários frequentes e corriqueiros de violência urbana que enfim chegou por aqui. È mais negócio assumir os riscos da internet e mantê-la dentro de casa, sob rigor supervisionado de conversas virtuais e sites visitados. Ela está menos propícia a receber uma bala perdia ou ser assaltada a mão armada.


Não faz muito tempo escutei uma amiga “virtual”, dessas que a gente conhece pelo orkut, facebook, twitter, hi5, tagged e salas de bate-papo - e que nos faz trocar facilmente as noite de sábado, e os riscos da carteira e/ou automóveis furtados, por conversas intermináveis sobre literatura, cinema e atores bonitos - me falar sobre Salvador. “Odiei sua cidade. Ela é suja e as pessoas são mal educadas”. Não tive coragem de defender meu ex-lugar preferido no mundo como deveria e teria feito. Ela tinha razão. Por sorte ela não sofreu nenhum tipo de violência, o que minimizou a péssima impressão que ela levou da cidade. Da minha cidade.

A alegria que em Salvador aparecia estampada em rostos enfeitados de largos sorrisos e gentilezas, se transformou em uma cara enfezada de poucos amigos e nenhuma conversa. O tal dos tempos modernos fez de uma gente alegre e hospitaleira, refém entre as paredes de residências monitoradas por grupos de segurança particular A cidade cresceu demais. E pariu demais! Não há sistema de saúde que atenda a toda população e a rede de transporte é deficitária. O tempo médio de espera em um ponto de ônibus em horário de pico chega a uma hora. Não pela intermitência entre um ônibus e outro e sim pela impossibilidade de utilizar o veículo lotado. Quando enfim se consegue passar pela porta traseira e o torniquete do cobrador, mais uma hora de engarrafamentos servirão de obstáculo para o tão merecido descanso em bairros cada vez mais afastados dos locais de trabalho. 60 passageiros se espremem em um espaço destinado para 38 em pé, misturando perfumes que tornam desagradável o odor que toma conta do olfato.

A solução é fugir dos horários de maior movimento e deixar para voltar para casa depois das 20h30. Um pouco mais tarde também não é recomendável pelas blitz que param playboyzinhos de carros rebaixados enquanto ônibus menos lotados são assaltados, lesando trabalhadores que mal ganham um salário mínimo. Finada cidade da alegria. Já não se encontram boêmios pelos bares, nem jovens ao redor de um violão celebrando a noite que acaba e o dia que começa diante dos próprios olhos. Mas o antropólogo diria: “São as consequências dos tempos modernos” e teceria conjecturas para explicar o falecimento de um povo alegre. Infeliz desse tal de tempos modernos...

Um comentário:

Guilherme Santos disse...

Infelizmente essa não é uma realidade exclusiva de nenhuma capital brasileira.

Todas estão assim, em maior ou menor grau.

Já cantava "O Rappa" - "As grades do condomínio são pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que tá nessa prisão".

O LFV tem um texto ótimo sobre isso.

Gostei do Blog...=D
Segui-lo-ei hehehe