Trinta anos de luta, conquista e desenvolvimento.
Por Andréa Silva e Helane Carine Aragão
Sentados à sombra de uma barraquinha, quatro moradores - três homens e uma mulher - jogam dominó ao fim da tarde. Crianças correm na rua asfaltada, num jogo improvisado de futebol. Gabriel, nove anos, brinca pelas escadas com apenas um pé dos patins, enquanto Maria Rosária arruma o tabuleiro para venda de quitutes. No vai e vem, trabalhadores e estudantes se apressam para chegar em casa.
O endereço dessa gente é o bairro do Calabar, onde ao contrário dos vizinhos de classe média - Graça, Ondina e Jardim Apipema – para garantir seus direitos de cidadão tiveram de fazer da organização e luta um modo de vida. Mesmo aqueles que não participaram ativamente dos movimentos, passeatas e caminhadas se sentem familiarizados com o estilo aguerrido do bairro, pois da portas e janelas de suas casas foram testemunhas desta história.
Arlete Santos, 37 anos, nasceu e foi criada no bairro. Hoje, tem uma filha de quinze anos que segue os passos da mãe. Com Dona Arlete está Nildes Rodrigues, também moradora, que chegou ao bairro aos nove anos de idade. Juntas, elas se encaminham para a reunião comunitária que tem como objetivo a formação da cooperativa de corte e costura no Calabar. Antes do compromisso as amigas relembraram o passado de luta. Dona Arlete conta que no bairro não havia valas de esgotos. "Nem comércio!", completa Dona Nildes.
"Apesar de ainda existir dificuldades, as coisas estão muito melhor em relação ao que era. Meu pai, que foi o responsável pela nossa vinda para cá, se ainda fosse vivo, ficaria feliz pelo desenvolvimento do bairro", conclui. Ela lembra como era difícil viver no Calabar, no tempo em que ainda era criança, do medo que tinha de adoecer por causa do esgoto que corria a céu aberto e também faz questão de não esquecer as vezes em que viu os vizinhos mobilizados para fazer protestos e até enfrentar a polícia. "Se agora é melhor, é porque eles lutaram muito pelo bairro", desabafa.

É exatamente para comemorar esta história regada de vitórias e tentar reativar o espírito da comunidade, que no próximo dia 17, o Calabar se reúne para uma grande festa popular. Uma festa, que além das discussões através de palestras concientizadoras, promete também 'causos' e histórias do passado. Como as de Manoel Roberto que, atualmente com 40 anos, agradece à mobilização, o fato de não haver mais espaço para apostar corrida de barquinhos de papel no esgoto a céu aberto existente no Calabar. "Na minha infância eu soltava os barquinhos nas valas de esgoto. Era minha diversão preferida”, recorda.
Já para dona Nildes, uma das lembranças mais forte é a da realidade que, apesar dos anos da luta, das conquistas em diversos setores, quase não mudou. "Claro que sempre existiu violência. Nem saíamos para brincar na rua. Éramos sete irmãos e sempre brincávamos em casa. O dia acabava, quando o sol se recolhia. Não tinha energia elétrica nem água encanada. Hoje, apesar de ainda existir violência, está muito melhor".

A garantia de infra-estrutura, numa época em que era proibido realizar passeatas, sempre foi uma das bandeiras de luta da comunidade, que aprendeu muito cedo a exigir direitos e cidadania. "Eu vi muitas vezes o pessoal sair de casa, com faixas, para fazer caminhadas. Eu vi muita gente correndo da polícia. Eu tinha medo, mas ficava torcendo", conta Nildes.
O medo esteve presente também na vida de Ubirajara Costa, 34 anos, no dia em que a mãe o levou para participar da caminhada que fincou os pés em frente à casa do governador e que envolveu mulheres e crianças moradoras do bairro. "Como aquele dia me marcou. Quando fecho os olhos, consigo ver a pancadaria da polícia nos moradores. A comunidade lutou muito para conseguir o que temos", relembra.
Na luta por espaço e cidadania e para não ser expulso de um bairro que sempre foi cobiçado por diferentes construtoras, Adolfo Santos nunca mediu esforços quando o assunto era manifestação. Do alto de seus 68 anos, lembra com saudades das caminhadas em defesa dos direitos básicos. "No dia da maior caminhada, que levou quase toda a comunidade daqui até a Prefeitura, eu estava também. Nunca vou esquecer aquele povo todo na rua". Nostálgico, sente saudades desta consciência que permeava a juventude da época e sonha para que a juventude atual acorde para as necessidades que ainda existem no Calabar. "Queria ver o bairro como antes, com mais gente lutando. Ainda não temos tudo que precisamos". O desabafo foi feito na porta da padaria comunitária, uma das conquistas da população local.
Edson Jesus, 48 anos, zelador, não participou desta história. Sequer morava no bairro na época das mobilizações. Mesmo assim, fala com orgulho do movimento. "Hoje, nós temos creche, escola e módulo policial. Tudo foi fruto da luta destas pessoas. Moro aqui há 12 anos e fico impressionado com a força da comunidade. Apesar do Calabar ainda ser visto como um lugar que tem crime, a nossa integração, faz a força da comunidade", destaca.

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